domingo, 29 de maio de 2011

Matéria efervescente


O meu amor não cabe num poema - há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
São como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto-
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.

O meu amor não se deixa dizer- é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.

O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome - é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.


Maria do Rosário Pedreira

2 comentários:

  1. Gosto do poema e da ilustração.
    Klimt fica sempre bem a ilustrar o amor...

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  2. O meu pintor preferido. Gosto, particularmente, da sua fase erótica que foi polémica e até considerada amoral e pornográfia aquando da sua pintura de mural para a Universidade de Viena - Friso Stoclet - que é absolutamente fantástico.

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