quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Céu


Era preciso começar daí: céu.
Janela sem encosto, sem moldura, sem vidraça.
Abertura e nada mais, porém muito bem aberta.
Não preciso aguardar a noite amena:
nem levantar a cabeça
para perscrutar o céu.
Tenho céu atrás de mim, sob as mãos
e debaixo das pálpebras.
Estou enredada de céu
e isto me exalta.
Nem as montanhas mais altas
Estão mais próximas do céu
que os vales mais profundos.
Não há mais céu num lugar
do que em outro.
A nuvem está atada ao céu
indiferente como o túmulo.
A toupeira é tão feliz
quanto a coruja que abre as asas.
O objeto que cai no precipício
cai do céu no céu.
Partes poeirentas, líquidas, montanhosas,
passageiras e queimadas do céu, migalhas do céu,
brisas de céu e montes.
O céu é onipresente
até nas trevas sob a pele.
Devoro o céu, rejeito o céu.
Estou com armadilhas na armadilha,
com o habitante instalado,
com o abraço abraçado,
com a pergunta presente na resposta.
A divisão entre céu e terra
não foi pensada de forma adequada
a respeito desta unidade.
Permite até que se sobreviva
no endereço mais exato,
que pode ser achado mais depressa
se me procurarem.
Os meus sinais característicos são
o arrebatamento e o desespero.


In Antologia de 63 poetas eslavos. Tradução e organização Aleksandar Jovanovic. Editora Hucitec, São Paulo, 1996



terça-feira, 30 de agosto de 2011

Diria algo se houvessem palavras...


Um tronco com impressões digitais do coração...


Um velho tronco
Em mim vive
Incólume à turbulência dos dias...
À saudade exasperante das noites
Num abraço
O velho tronco
Cortado
Morto
Resiste
Agarrando-se em longas raízes
A esse desejo fulgente de ser
A esse vil sonho de viver


Dulce Antunes

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Uma flor


Há coisas que me assustam.
Tenho receio de ficar árida por dentro, de não voltar a florir, de ficar inerte como uma peça de decoração.
Tenho medo que a música cesse, ou mesmo que não cesse, que eu perca a capacidade de sonhar.
 Assusta-me que o ponteiro da ansiedade se adiante ao da vida, sem que eu dê por isso.
Assusta-me que os meus olhos se possam acostumar com a banalidade e que não mais me deslumbre com as excepções.
Tenho medo dos frutos dos amores e desamores, medo que um dia não doa mais.
Porque a dor lembra-me que ainda aqui estou. Não que seja masoquista, só não quero a cegueira de ignorar os factos da vida.
Porque para florir é preciso que as lágrimas me reguem o interior.
E mesmo que a flor que brote traga espinhos, prefiro sempre a ferida à anestesia de nunca sentir uma flor nas mãos.

It's oh so quiet...


Há dias em que os silêncios gritam.
Deíxam-me uma vontade enorme de calar e ouvi-los apenas gritar, a gritar tanto até que me doam os tímpanos; gritos que façam com que a dor de ouvi-los seja maior e pior do que a dor de sentir.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Swimming against the tide



(...)
...Things fall apart; the center cannot hold
Mere anarchy is loosed upon the world
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity...
(...)

William Butler Yeats


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Perfect pagan poetry



Pedalling through
The dark currents
I find
An accurate copy
A blue print
Of the pleasure
In me

Swirling black lilies totally ripe
A secret code carved
Swirling black lilies totally ripe
A secret code carved

He offers
A handshake
Crooked
Five fingers
They form a pattern
Yet to be matched

On the surface simplicity
But the darkest pit in me
It's pagan poetry
Pagan poetry

Morse coding signals (signals)
They pulsate (wake me up) and wake me up
(pulsate) from my hibernation

On the surface simplicity
Swirling black lilies totally ripe
But the darkest pit in me
It's pagan poetry
Swirling black lilies totally ripe
Pagan poetry

Swirling black lilies totally ripe
...

I love him, I love him
I love him, I love him
I love him, I love him
I love him, I love him

(She loves him, she loves him)

This time

(She loves him, she loves him)

I'm gonna keep it to myself

(She loves him, she loves him,
(She loves him, she loves him)

This time
I'm gonna keep me all to myself

(She loves him, she loves him)

But he makes me want to hand myself over

(She loves him, she loves him,
She loves him, she loves him)

And he makes me want to hand myself over...



How pathetic can I be?


Pathetic me, 
a merely ghost of who I was,
bugging, begging,
that's not who I am, no...
I just don't know how to rewind
the music that brought me here,
how to break the spell,
 how to undo the metamorphosis.
Actually, it's very clear:
If I don't get your attention
it's because your eyes are closed
and you are blind.
I just need to be me,
not a merely ghost,
that's why you can't see me
and probably never will.
Cos if you'd seen,
all the reasons would vanish in love
and in dust of the stars,
and I could touch you
in every different kind of ways...




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Like a merry go round

When you think it's safe, the music gets louder, the horse you're riding goes up and the carousel goes faster and spinning round and round, over and all over again...

REVOLUTION from Bill Newsinger on Vimeo.

sábado, 20 de agosto de 2011

Hey you


I am in need of music that would flow
Over my fretful, feeling fingertips,
Over my bitter-tainted, trembling lips,
With melody, deep, clear, and liquid-slow.
Oh, for the healing swaying, old and low,
Of some song sung to rest the tired dead,
A song to fall like water on my head,
And over quivering limbs, dream flushed to glow!

There is a magic made by melody:
A spell of rest, and quiet breath, and cool
Heart, that sinks through fading colors deep
To the subaqueous stillness of the sea,
And floats forever in a moon-green pool,
Held in the arms of rhythm and of sleep.

Elizabeth Bishop

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Se enciende...


el amor...ese dulce veneno que nos puede elevar al cielo
o quitarnos el sentido de la vida en un instante...

Um desenho lívido


Poderia fazer-te um desenho:
Aumentar os pormenores
Dar forma, atribuir um símbolo
Traçar uma linha infinita
Com aguarelas colorir os meus intentos
E a carvão marcar a dura linha que nos separa

Poderia fazer-te um desenho,
mas não há modo de o fazer.
Há certas coisas que são imensuráveis
E o seu traçado apresenta-se lívido,
Do mesmo tom de uma folha em branco
E o seu esquisso é impossível de retratar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dear me


"My own brain is to me the most unaccountable of machinery—always buzzing, humming, soaring roaring diving, and then buried in mud. And why? What’s this passion for?"

Virginia Wolf

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

While I may...


Just wish to tell you my desires with words crystallized, sweet and sticky, to lubricate the hinges of your heart...

"Wind and hail and veering rain,
Driven mist that veils the day,
Soul's distress and body's pain,
I would bear you while I may.

I would love you if I might,
For so soon my life will be
Buried in a lasting night,
Even pain denied to me."

Sara Teasdale

sábado, 13 de agosto de 2011

In sort of wakeful swoon, perplexed she lay...

"...When I don't hear from him, it's as if I've died, as if the air is sucked out from my lungs..."


Wings on fire

 Night butterfliy - Schigolev Oleg

As she walks through the room,
every head turns,
here she is again,
coming back for more,
yet every time she hits that same 'ol wall,
before she even leaves the dance hall.
this angel's wings, on fire.
as she searches for her heart's one true desire.
as she grows older,
she begins to dance alone,
waiting and waiting for the thrill to fill that hole.
yet every night she hits that same 'ol wall
before she can even leave the dance hall
this angels wings, on fire
as she searches for her hearts one true desire.
maybe someday she will fill that hole,
but until then her tunnel vision's true.
but until the day she might just find a clue.

Josh Mckinney

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Oração


Há palavras que te escrevo dispostas a suportar o peso da distância. São impulsos, quase sempre
impulsos. Quase sempre duas mãos a indagar o silêncio, a perguntar à vida como se exercita o amor.
Crio rumores que te chegam como um fio, um sopro atrás do ouvido onde te suspiro nomes, paisagens reunidas em livros de horas, onde te sopro orações - a abóbada celeste, o teu coração.
Há palavras que te escrevo que existem como um traço contínuo. Como se o sentimento fosse demasiado vasto para invocar o silêncio, demasiado insistente para não responder à vida de volta.
Invento as certezas do nosso amor, hoje digo-te uma certeza, amanhã outra e à hora de adormecer confesso-me - hei de inventar a vida de volta fazer da certeza um hábito. Das palavras que te escrevo a contínua oração diária.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Cruéis coincidências...


Deus é um boomerang
e eu sou a sua filha pródiga.

(Adília Lopes)

...Tenho algumas contas a ajustar com Ele (Deus)...


O colo da minha mãe é o meu maior consolo

Amar não é uma questão de merecimento, é gratuito. Se tentares racionalizar o amor não chegas a lado nenhum. Estar pronta para o amor é utópico, ele não avisa e não precisas esperá-lo, vestida de bom caráter. Muitas vezes, criam-se expectativas em torno de algo e, mais adiante, percebemos que idealizámos e deixámos de viver. Há tantas, tantas oportunidades à tua volta, é preciso estares aberta, a focalização é para máquinas fotográficas. A vida revela-se no inesperado. Deixa o amor surpreender-te. 

Mas quando o coração está em zoom, é difícil ficar aberta...
 


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Confidências


Eu sou difícil de entender porque tenho o dom e a maldição de sentir ao expoente máximo. Faço uso das palavras de terceiros para dar voz a processos tão íntimos que jamais poderiam ser públicos de outra forma. Coisas que digo com a estupidez lata de quando não há mais nada a dizer, dão lugar a impulsos insensatos de recuperar algo que nunca mais poderei ter.  Pensamentos projectados por imagens semelhantes, pequenos sinais do quão disforme vai ficando a minha mente em contacto com a realidade. É tão mais fácil viver a sonhar com as imagens dentro de mim. Mas a realidade e os sonhos parece que viajam em linhas paralelas, sendo que nunca se encontram e a verdade não se revela nos sonhos - essa nobre justiceira, de punho em riste, saúda a sua hora e não contempla a dor dos derrotados. Segredos insondáveis, sonhos suspensos, sonhos, sonhos... que elevaram tão alta a fasquia condenando-me a achar tudo e todos desinteressantes.
À parte disso, tenho tudo para ser feliz...




Suspiro


O rio passa, passa e nunca cessa.
O vento passa, passa e nunca cessa.
A vida passa: nunca regressa.

(Herberto Hélder)


Today the truth visited me and it hurts...


Flimsy like a lace paper window pane
Rattled in a heavy wind blown rain
The rain...
The rain came quickly down
And the shutters leaked as they tried in vain
To curb the pelting sound
The rain...
The rain falls wet and cold
And weakens the hillside ground
Which then gives way and
Tumults over the wall which cannot hold
The rain, the rain
When will it end
The rain will never cease
The rain will someday wash my weary soul 
The rain, the rain, the rain...

sábado, 6 de agosto de 2011

Wing-beat


Love is like a butterfly
That soars in the sky
It takes you to places,
You never would have thought possible...

(E. N. English)


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Bilhetes


Há quem escreva pela arte, pela literatura, pelo gosto da linguagem.
Esses são os bons.
Eu escrevo para fazer afagos, para alongar os braços, para encurtar distâncias. 
Os primeiros escrevem grandes obras.
Eu só escrevo bilhetes.
Os outros são aclamados pelos que os apreciam.
Eu sou declamada por este coração, sem eira nem beira.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Let's make some noise


"A vida é puro ruído entre dois silêncios abismais. Silêncio antes de nascer, silêncio após a morte."

Isabel Allende



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Entardecer


Quando o dia declina, a luz alaranjada do fim da tarde comove-me e o silêncio substitui a música.
Nessa hora sagrada, os gestos tornam-se demorados pela profunda comunhão em permanecer atenta ao essencial.
É tempo de ver e olhar.
O mistério está em ouvir a voz interior.
Tudo muda ao entardecer, as cores das flores, a transparência do céu, tudo fica ardente de desejos, que nesse lusco-fusco, se teimam em firmar...
Nesse breve tempo onde o silêncio me fala mais alto, era onde gostaria de ficar. 
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