domingo, 28 de novembro de 2010

Raindrops keep falling on my head

Das melhores coisas do mundo é dizermos às pessoas o quanto gostamos delas. Sem educações. Sem malícia. Sem constrangimentos. Tenho quase a certeza disto.



O rio

“Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos, e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de repente não sei se as águas nascem de mim, ou para mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os barcos e o céu que os cobre, e os altos choupos que vagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas águas como os apelos imprecisos da memória. Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e firme pulsar de coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu corpo despido brilha debaixo do sol, entre o esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas da memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar calada sobre a proa rigorosa do barco. Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que as aves digam nos ramos por que são altos os choupos e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem, sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.
Haverá o grande plano primordial quando as mãos se juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.”

Não se sabe tudo, nunca se saberá tudo, mas há horas em que somos capazes de acreditar que sim, talvez porque nesse momento nada mais nos podia caber na alma, na consciência, na mente, naquilo que se queira chamar ao que nos vai fazendo mais ou menos humanos.

As pequenas memórias - José Saramago

sábado, 27 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Inútil eternidade


Até morrer estarei enamorada
de coisas impossíveis:
tudo que invento, apenas,
e dura menos que eu,
que chega e passa.
Não chorarei minha triste brevidade:
unicamente alheia,
a esperança plantada em tristes dunas,
em vento, em nuvem, n'água.
A pronta decadência,
a fuga súbita
de cada coisa amada.
O amor sozinho vagava.
Sem mais nada além de mim...
numa eternidade inútil.

( Cecília Meireles )

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Eu sei tudo sobre o Pai Natal

Os crescidos dizem que o Pai Natal não existe. Mas eu não acredito neles.
Iniciando-se com a frase «os crescidos dizem que…», este pequeno hino à figura do Pai Natal vem reforçar a sua existência e provar a todos os meninos que ele não só existe como continua a visitar todas as casas, ou melhor, aquelas casas que têm árvores de Natal, em cada ano que passa. As dificuldades enunciadas pelos adultos são rapidamente desconstruídas pelo menino protagonista desta história que encontra resposta para qualquer ideia feita. O importante é acreditar que realmente o Pai Natal existe e toda a tradição de que ele faz parte encontra significado na mentalidade dos pequenos leitores. As crianças são a prova viva de que a lenda perdura ao longo dos tempos e se mantém acima de todas e quaisquer contrariedades. Por isso, não vale a pena dizerem que o Pai Natal não existe quando todos sabem que isso não é verdade.

domingo, 21 de novembro de 2010

Queria apenas tentar viver aquilo que brotava espontaneamente de mim. Porque isso me era tão difícil?

"Junto ao mar, estendia os braços para ela, adorava-a, sonhava com ela e lhe dedicava todos os seus pensamentos. Mas sabia, ou pensava saber, que um homem não pode alcançar uma estrela. Imaginava que seu destino era amá-la sempre sem esperanças e construiu sobre essa ideia toda uma vida de renúncia e de dores, muda e fiel, que devia purificá-lo e enobrecê-lo.
Uma noite estava de novo sentado junto ao mar, no alto de uma escarpa, contemplando a amada, ardendo de amor por ela. E num instante de profundo anseio, saltou no vazio para alcançar a estrela. Mas ainda não pensou na possibilidade de alcançá-la e caiu, arrebantando-se contra as rochas. Não sabia amar. Se no momento de saltar tivesse força de alma bastante para crer fixa e seguramente na obtenção de seu desejo, teria voado para o ceu para encontrar sua estrela."

Demian - Hermann Hesse

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Eu também, Clarice


Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas,
minhas tristezas, absolutas.
Entupo-me de ausências,
esvazio-me de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.

 
( Clarice Lispector )

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Desordem cósmica

... Por favor,
inventa as leis de uma alquimia
que transforme a matéria de um não
na matéria de um sim
e dá-me o que te dou,
o que não morre...

( Fernando Pinto do Amaral )

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A espera...


Um mar rodeia o mundo de quem está só.
É o mar sem ondas do fim do mundo.
A sua água é negra; o seu horizonte não existe.
Desenho os contornos desse mar com um lápis de névoa.
Apago, sobre a sua superfície, todos os pássaros.
Vejo-os abrigarem-se da borrasca nas grutas do litoral: as aves assustadas da solidão.
«É um mundo impenetrável», diz quem está só.
Senta-se na margem, olhando o seu caso.
Nada mais triste para além dele, até esse branco amanhecer que o obriga a lembrar-se que está vivo.
Então, espera que a maré suba, nesse mar sem marés, para tomar uma decisão.

Nuno Júdice

Volúpia


Não me deixei prender.
Libertei-me de todo
e fui em busca de volúpias
que em parte eram reais,
em parte haviam sido forjadas por meu cérebro;
fui em busca da noite iluminada.
E bebi então vinhos fortes,
como bebem os destemidos no prazer.

 
( Konstantinos Kaváfis )

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

Sharing is Caring


INFLUENCERS FULL VERSION from R+I creative on Vimeo.

Mas é assim o poema:


Mas é assim o poema:
construído devagar,
palavra a palavra,
e mesmo verso a verso,
até ao fim.
O que não sei é como acabá-lo;
ou, até, se o poema quer acabar.

Então peço-te ajuda:

puxo o teu corpo para o meio dele,
deito-o na cama da estrofe,
dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes.
Ficamos assim.
Para trás, palavras e versos,
e tudo o que não é preciso dizer:
eu e tu,
chamando o amor
para que o poema acabe.


(Nuno Júdice)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Mistérios...

Amar é reconhecer nos outros um ser misterioso, e não um objecto - tu eras uma vibração à tua volta, não a estreita presença de um corpo.
Aqueles que não amamos nem odiamos são nítidos como uma pedra.
(...)

(Vergílio Ferreira)

Here comes the sun


The Sun (feat. Nili) - Villeneuve from duriez jérémie on Vimeo.
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