terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tenho um amigo


Conheci um amigo num dia em que tudo me corria às avessas. Fui surpreendida por um enorme piropo e por um acaso que me deixou desconcertada. Os acasos sucedem-se na minha vida, não os que desejo, mas os que não se anunciam de forma nenhuma. Este amigo tem 81 anos e já vi o meu dia irrompido com as suas palavras pela terceira vez. Mesmo sendo céptica, acho que "algo" brinca comigo, de uma forma pouco comum.
Hoje, encontrei-o e perguntei, como a pergunta mais banal de se perguntar, se estava tudo bem. Sentou-se na minha mesa e conversámos, penso que apenas por uns breves instantes, mas que chegaram para que me contasse o que essencialmente percebi ser a sua solidão. Perdeu a esposa há 2 anos e o único filho está no estrangeiro, só vem de vez em quando... Perdi-me no tempo, na súbita ternura que senti e, como tenho uma curiosidade aguçada, perguntei-lhe porque se vestia com roupas claras, quando geralmente se perde um ente querido as pessoas se vestem de escuro. Ele respondeu que, para triste bastava ele, assim para os outros, ele seria menos triste. E sorriu com um sorriso triste.
Quando me levantei, porque e somente o dever me chamava, disse-lhe que tinha ali uma amiga e quando se tem um amigo sentimo-nos menos sós, mas creio que sou eu que tenho ali um amigo...
Fiquei grande parte da tarde a pensar na ironia do seu nome, na sua tristeza (que quis erradicar...), no tema da amizade que brota de onde menos se espera. E no eco das suas palavras - A vida é mesmo um palco, onde todos encarnamos os nossos papéis sociais e vivemos para a aparência do que é esperado que sejamos. Vestimos tantas vezes essa indumentária que já não sabemos diferenciar a máscara da nossa própria pele. Saberemos mesmo qual é a nossa matriz? E a realidade é real ou serão os nossos sonhos a parte mais real de nós?
Não, não quero isso para mim. Posso ser criticada, posso ser diferente, incompreendida, mas não quero fazer parte do elenco. Não quero correntes, a não ser as correntes do amor. Não quero vendas nos olhos, a não ser a venda da saudade. Não quero meias-alegrias, meias-tristezas, meias-palavras, meios-poemas... nem o meio termo quero. Só quero poder sonhar, sem reservas. Ainda que me magoe, ainda que nada corresponda, são os meus sonhos e fazem parte do mais real em mim...

2 comentários:

  1. Este texto faz-me recordar uma ideia minha, que talvez não tenha muito a ver com o assunto: como se sabe, a esperança de vida da mulher é superior à do homem, e é normal, num casal, ficar uma viúva e não um viúvo; e a mulher sozinha aguenta muito melhor a perda do marido de que o homem aguenta a perda da mulher.
    Não é só no acto de nascer, ao dar à luz, que a mulher é forte, mas também na forma como sabe "conviver" com a perda...

    ResponderEliminar
  2. Concordo inteiramente, João. Penso que as mulheres, por defeito ou qualidade de género, acabam por exteriorizar mais as emoções, o que terá um efeito psicológico terapêutico para ultrapassar a dor. Mas, sendo eu mulher, sentindo como mulher e sem qualquer resquício de inferiorização masculina, penso que as mulheres - regra geral - sentem mais e por isso são apelidadas de complicadas, desiquilibradas e outras coisas semelhantes. Porque é tão difícil gerir os sentimentos, tantas vezes contraditórios e intensos...

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...