sábado, 12 de novembro de 2011

O sonho que sonhei...


Um dia, tive um sonho. Esse sonho ultrapassou todas as barreiras: do que é normal, do que é contido, do que é amor, do que é voar. Foi um sonho que me elevou ao nível do céu. E ali andei a planar, achando que as asas eram verdadeiramente minhas... Caí de uma altura considerável e ao acordar, apercebi-me que as asas eram falsas, que não sabia voar e que o sonho foi só um sonho... Fiquei triste, muito triste, foi duro e difícil aceitar que tinha de viver na realidade.
Porém, a memória do que sonhei foi sempre uma luz que brilhava nas noites escuras. Por vezes, tentava esquecer e conseguia. Outras vezes, mesmo sem querer, lembrava-me dele e doía pois tinha a certeza que não mais iria sonhar esse sonho.
Mas agora, há inúmeras noites seguidas que sonho o sonho que sonhei. E é perturbador porque não consigo esquecer. É perturbador porque sinto protuberâncias nas costas, sinais de asas a nascerem. É perturbador porque não consigo abrir os olhos para acordar. E é perturbador porque, a angústia da descoberta de que afinal os sonhos são fugídios e fugazes, volta a afigurar-se-me como uma possibilidade.
Não me parece que se possa sonhar sem correr o risco de acordar e fascina-me verdadeiramente a possibilidade de jamais acordar mas, em contrapartida, assusta-me verdadeiramente a impossibilidade de jamais sonhar seja com o que for...

Inquietação à espreita


Não entendo.
 Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

The dream I dream...


"The dream was always running ahead of me.
To catch up, to live for a moment in unison with it, that was the miracle."

Anaïs Nin


domingo, 6 de novembro de 2011

Apenas um coração puro no universo se expõe


"Ubíqua estou atada ao tempo, o estigma
a procurar-me sob a máscara, o rosto.
Mais se crispa o mistério na procura.
De Deus nenhum sinal. So à loucura
do universo meu coração exposto."

(Natália Correia)


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

The sun and the moon



Lembra-me um filme:
"Ladyhawke" (A mulher falcão) - uma lenda mágica sobre um amor inesquecível.






sábado, 29 de outubro de 2011

Na direção do amor


Não fala. Não se explica. Não se vê e muito menos se apalpa. A sua dimensão não cabe na própria palavra de definição, nem há palavras exactas que o definam. Não se sabe porquê nem se sabe o sentido na sua existência. Não tem limites quantificáveis nem padrões comportamentais a serem seguidos. Não é incógnito, não é um mistério nem um mito. Ele existe na sua real personificação em actos e euforias sentimentais. Fala-se dele soletrando uma palavra, mas essa mesma palavra é tão vazia de conteúdo que nem dele sabe falar na sua plenitude, apenas estabelece uma forma verbal para que possa ser identificado. É muito mais que isso, muito mais que palavras e conceitos. Vai para além das teorias e conversas abstractas. É superior ao desejo humano de egoísmo social estabelecendo pontes entre impossíveis. Não tem cheiro nem cor, pode ser todas as cores ao mesmo tempo, e nesse mesmo tempo não ser nenhuma. Pode tudo e o impossível. Fazemos uso dele mesmo sem sequer ser suposto estar a senti-lo!
Não avisa. Surge e instala-se. Sente-se. É a única coisa que é real e coerente dizer-se. Sente-se. A partir deste ponto, nada mais é igual, nada mais é concreto, nada mais é plausível de se previsível. Ficamos subjugados à sua vontade e na qual vamos vivendo segundo a sua rota. Ficamos inconscientes de acções, mas conscientes de que queremos viver com ele para sempre, apesar de negarmos vezes sem conta a sua grandiosidade, pois torna-nos mais vulneráveis. Apesar de fazer doer bem fundo e de levar a insanidade à exaustão, sem ele não saberíamos viver. Apenas sobrevivíamos dia após dia sem conteúdo afectivo, onde as coisas perderam o brilho natural de serem amadas, porque se ele não existisse, não haveria o motivo para se amar. A dor que ele nos deixa não é mais que um bónus de sabedoria que nos permite sentir realmente vivos. Não faria sentido viver sem ele apesar do seu sentido não ser perfeitamente compreendido. Apenas sabemos que aquela sensação exclusivamente pessoal, faz-nos sorrir, faz-nos querer, faz-nos tentar, faz-nos não desistir quando tudo à volta perdeu a vontade, faz-nos querer, faz-nos ser felizes, mesmo não sabendo bem usá-lo em forma de expressão. Só sabemos que estamos com ele naquele momento mortífero em que o sentimos.
Quase que magoa a garganta no nó que se forma, nauseados de encantamento ficamos perante aquela figura, ficamos parados no tempo, naquele momento visual que tudo parece ser pequeno face ao que sentimos, onde questionamos tudo, mesmo a nossa real existência. É estranho e contraditório. Sentimo-nos estranhos, irreconhecíveis ao nosso espelho interior. Frágeis na sua presença, triste e vazios sem ele. É maleficamente tenebroso quando não tem forma de retorno. É triste por nos tornar tristes, perigoso por nos controlar os actos, é alheio a quaisquer éticas sociais. Mas é demasiadamente bom de ser negado, de ser ignorado. É avassaladoramente saboroso mesmo no seu lado imperfeito para deixar de ser sentido. Por ele fazemos tudo, sem ele somos nada. Não vale de nada palavras complexas e rebuscadas para o tentar exprimir. Ele é a complexa forma da simplicidade traduzida em afectos. Tudo se resume ao amar e ser amado. A sua exuberante simplicidade é que nos faz ser complexos perante tal força sem definição. Não vale a pena tentar perceber ou questionar, e muitos menos tentar explicar em forma de frases sem sentido directo de interpretação. Apenas se deve sentir e vivê-lo. De outra forma não saberemos viver com ele, e sem ele não se vive o expoente máximo da felicidade. Ele, na primeira pessoa a que chamam Amor.

Ana Soares da Silva Rodrigues Neto, in 'Textos de Amor – Museu Nacional da Imprensa'

Inside


Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.

(Clarice Lispector)





sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Voar


Não suporto gaiolas, jaulas e quaisquer outros tipos de prisão.
As aves foram feitas para voar, ainda que o céu esteja cheio de abutres,
porque não há nada mais triste que o canto de uma ave enclausurada.
Voar é deixar-se ir na brisa do vento e chegar onde se quer chegar...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

É o meu inferno, é o meu paraíso


Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo – diziam. E depois amavam-se depressa e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza.

Herberto Helder


domingo, 23 de outubro de 2011

Quase de nada místico



Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,
e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:
poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.

Ana Luísa Amaral

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

I love you more than ________


Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.

Clarice Lispector




quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Aisthésis


A sensibilidade é algo absolutamente inútil quando não te leva a lado nenhum.
Ou quando não traz o tudo até ti. 
Olho as coisas e vejo tantas outras a partir das que olho.
Cadeias de sentidos, presas por laços de seda, leves e desamarráveis.
Outras por correntes de ferro, enleios de aço, que nada pode separar.
A impossibilidade é um cenário dantesco para quem tem sensibilidade... 
E a sensibilidade é um defeito grotesco para quem a esperança é vã...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ars est celare artem


...the moon gazed on my midnight labours, while, with unrelaxed and breathless eagerness, I pursued nature to her hiding-places...

Mary Shelley

sábado, 15 de outubro de 2011

You are here


This nothingness that feeds upon itself:
Pencils that turn to water in the hand,
Parts of a sentence, hanging in the air,
Thoughts breaking in the mind like glass,
Blank sheets of paper that reflect the world
Whitened the world that I was silenced by.

There were two years of that. Slowly,
Whatever splits, dissevers, cuts, cracks, ravels, or divides
To bring me to that diet of corrosion, burned
And flickered to its terminal.--Now in an older hand
I write my name. Now with a voice grown unfamiliar,
I speak to silences of altered rooms,
Shaken by knowledge of recurrence and return.


Weldon Kees


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ondulação


Amo-te porque não me amo inteiramente.
O que me faz falta é infinito
mas tu és do bem que me falta
o enigma onde se condensam
a terra e o sol, o ar, as águas invioladas
e tenho a boca cheia de música
ondulação do teu silêncio.

Casimiro de Brito

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Oscilações



"E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros?
É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes...
Um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste, às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis sentimentos... não é uma vida assim uma tragédia?
Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura?
E não somos todos mais ou menos sonhadores?"

Fiodor Dostoievski

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Está gente sem estar...


Neste comboio longo, surdo e quente,
Vou lá ao fundo, marco o Ocupado.
Penso em ti, meu amor, em qualquer lado.
Batem-me à porta e digo que está gente.

(Pedro Tamen)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Peixes


O sono dos peixes está para além da imaginação. Mesmo no recanto mais sombrio do lago, entre os juncos, descansam vigilantes: permanecem na mesma posição durante uma eternidade e é absolutamente impossível dizer que repousam com a cabeça numa almofada.
Também as suas lágrimas são como um grito no deserto — inúmeras.
Os peixes não conseguem exprimir o seu desespero. Isto justifica a faca embotada que avança ao longo da espinha rasgando as lantejoulas das escamas.

Zbigniew Herbert - Escolhido pelas Estrelas - Antologia Poética

terça-feira, 27 de setembro de 2011

27 de Setembro de 2011


Hoje, as flores têm uma cor especial e o seu perfume exala no ar,
os pássaros cantam mais e mais alto,
o sol brilha com uma nova força e calor
e nesta noite,
as estrelas cintilam e sorriem pela chegada da Isis ao mundo.

Bem-vinda, meu amor !


Pensar é transgredir



O amor é uma escultura que se faz sozinha.
É uma flor inesperada sem estação do ano para surgir nem para morrer.
Vai sendo esboçada assim ao léu: aqui a sobrancelha se arqueia, ali desce a curva do pescoço, a mão toca a ponta de um pé, no meio estende-se a floresta das mil seduções.
Imponderável como a obra de arte, o amor nem se define nem se enquadra: é cada vez outro, e novo, embora tão velho.
Intemporal.
Planta selvagem, precisa de ar para desabrochar mas também se move nos vãos mais escuros... foge de qualquer sensatez, como o perfume das maçãs escapa num cesto de vime tampado.
Se fossemos sensatos haveríamos de procurar nem amar, amar pouco, amar menos, amar com hora marcada e limites.
Mas o amor, que nunca tem juízo, nos prega peças quando e onde menos esperamos.
Nunca nos sentimos tão inteiros como nesses primeiros tempos em que estamos fragmentados: tirados de nós mesmos e esvaziados de tudo o mais, plenos só do outro em nós.
Nos sentimos melhores, mais bonitos, andamos com mais elegância, amamos mais aos amigos, todo mundo foi perdoado, nosso coração é um barco para o qual até naufragar seria glorioso (ah, que naufrágios...).
Mais que isso, nesse castelo – como em qualquer castelo – não pode haver dois reis.
Quem então cederá seu lugar, quem será sábio, quem se fará gueixa submissa ou servo feliz, para que o outro tome o lugar e se entronize e... reine?
A palavra "liberdade" teria de ser a mais presente, porém é a mais convidada a discretamente afastar-se e permitir que em seu lugar assuma o comando alguma subalterna: tolerância, resignação, doação, adaptação.
Rondando o fosso do castelo, a vilã de todas: a culpa.
Quem deixou sobre minha mesa um bilhete dizendo "Se você ama alguém, deixe-o livre" sabia das coisas, portanto sabia também o desafio que me lançava.
No mundo das palavras há tantos artifícios quantas são as nossas contradições.
Por isso, conviver é tramar, trançar, largar, pegar, perder, e nunca definitivamente entender o que – se fossemos um pouco sábios – deveríamos fazer.
Farsa, tragédia grega ou dramalhão mexicano, às vezes comédia de mau gosto, outras soneto perfeito:
o amor, como as palavras, se disfarça em doces armadilhas ou lâminas mortais.

Lya Luft

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Project for a Fainting


Oh yes, the rain is sorry, of course,
the rain is with her painted face still plain and
with such pixel you’d never see it in the pure freckling,
the lacquer of her.
The world is lighter with her recklessness,
a handkerchief so wet it is clear.
To you.
My withered place, this frumpy home
(nearer to the body than to evening)
miserable beloved.
I lie tender and devout with insomnia,
perfect on the center pillow past midnight,
sick with the thought of another year of waking,
solved and happy, it has never been this way!
Believe strangers who say the end is close for what could be closer?
You are my stranger and see how we have closed.
On both ends.
Night wets me all night, blind, carried.
And watermarks.
The plough of the rough on the slick, love, a tendency toward fever.
To break. To soil.
Would I dance with you? Both forever and rather die.
It would be like dying, yes.
Yes I would.


Brenda Shaughnessy

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Entre a pele de dentro e a pele de fora


Esta manhã acordei vaga
e imensa como uma cidade desabitada.
Acordei céu de luar
sitiada pelo deserto da noite
e sou a bruma indissolúvel
envolvente etéreo de nada
num universo de nebulosas.

Sou bruma e penso em símbolos
de horas naufragantes insulares
de mim acordando só bruma
da bruma a acordar em mim
eu inexacta como a linguagem lenta das sombras.

De resto nada
infinitamente nada.

Pura circulação de nada meus rios em meu leito
minhas veias entre eu e mim
em trânsito contínuo para ser outro e ser o mesmo
para meditar o intervalo vazio
entre a pele de dentro e a pele de fora.

(Paulo Renato Cardoso)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

My weak spot


“Everyone has their weak spot. The one thing that, despite your best efforts, will always bring you to your knees, regardless of how strong you are otherwise.”

Sarah Dessen, in 'Lock and Key'

domingo, 18 de setembro de 2011

Windmills of my mind


On this windy day, a gust of understanding blowed in my mind.
If somethings are beyond our will, no matter how hard you try to change them, it won't pay the effort.
Even if you make the strenght to stop the windmill from running, the wind will eventually win you.
Someone once said that we must known the wisdom to bend ourselves, like the river grass bends to the wind.
I didn't see it then, but this is so true.
I won't struggle no more, I'll be accepting my heart and trying my best, despite of the wind that blows round and round again.
 

sábado, 17 de setembro de 2011

Borboletas


Hoje, prefiro cantar as coisas simples, as que
crescem depressa, como os ciprestes, ou as
que se enrolam a tudo o que aparece nos muros
como as buganvílias. Através delas, vejo o céu
que me traz outras coisas, mais complicadas
dos que estas da terra; e também no céu
escolho, hoje, o que não é difícil, a nuvem
que há pouco parecia eterna e desapareceu;
ou um branco sujo que apagou o horizonte,
por algum tempo, e fez com que todo o
universo ficasse ao meu alcance para nada.

Mas o que é simples também pode ser o
seu contrário. Há uma lógica no interior
deste movimento que faz crescer o cipreste,
ou empurra a buganvilia para o fundo do muro;
e também as nuvens seguem uma direcção
precisa, mudando a sua forma à medida que
se afastam dos meus olhos. A verdade deste
mundo encontra-se no próprio acaso que
a determina; e sou eu que tenho de encontrar
as razões para o que não precisa delas,
porque a sua existência se limita a este
perfume de fim de verão, ou à queda
das folhas que se confundem com nuvens.

O mundo é imprevisível como a vida
da borboleta que nasceu de dentro da
buganvilia; mas o vento que há pouco soprava,
não me disse nada sobre isso, nem o seu
sopro vago me libertou de folhas e de
nuvens, para que o chão e céu ficassem
limpos. Só a borboleta, no instante do voo,
trouxe a sua luz dissonante para dentro
da natureza; e foi ao encontrá-la,
no meio da terra e das pedras do jardim,
que me apercebi de que nem tudo é simples,
quando a morte se cruza com a beleza.

Nuno Júdice

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A hora H


Vem quando o vento acorda os meus cabelos,
como em folhagem que,
ávida respira...
Vem como a sombra,
quando a estrada é nua
Num risco de asa,
vem, serenamente
Como as estrelas, quando não há lua
Ou como os peixes, quando não há gente...

Pedro Homem de Mello

At the bank of the river


And quiet flows the river
without a ripple or shiver
trees stand windless
not even a whiff in space
no leaf shakes, no sound;
fishes are sleeping
sweating fishermen around
have lost all zeal
in the act of rowing;
their boats stand still.
Stilled water looks like a mirror
naked boy in it looks at his figure.
The world without a name
halts at the bank of the river
no one knows when it came
none knows if it was there.

Aju Mukhopadhyay



domingo, 11 de setembro de 2011

Eco


Tiro-te do espelho; 
e à minha frente és o reflexo que imagino,
num pedaço de realidade.
Mas se tento tocar-te,
é o vidro que me impede de passar
para onde estás,
num eco de desejo.
 
Nuno Júdice

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Para eu não esquecer.


Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afecto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram.
Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer.

Clarice Lispector

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tenho um amigo


Conheci um amigo num dia em que tudo me corria às avessas. Fui surpreendida por um enorme piropo e por um acaso que me deixou desconcertada. Os acasos sucedem-se na minha vida, não os que desejo, mas os que não se anunciam de forma nenhuma. Este amigo tem 81 anos e já vi o meu dia irrompido com as suas palavras pela terceira vez. Mesmo sendo céptica, acho que "algo" brinca comigo, de uma forma pouco comum.
Hoje, encontrei-o e perguntei, como a pergunta mais banal de se perguntar, se estava tudo bem. Sentou-se na minha mesa e conversámos, penso que apenas por uns breves instantes, mas que chegaram para que me contasse o que essencialmente percebi ser a sua solidão. Perdeu a esposa há 2 anos e o único filho está no estrangeiro, só vem de vez em quando... Perdi-me no tempo, na súbita ternura que senti e, como tenho uma curiosidade aguçada, perguntei-lhe porque se vestia com roupas claras, quando geralmente se perde um ente querido as pessoas se vestem de escuro. Ele respondeu que, para triste bastava ele, assim para os outros, ele seria menos triste. E sorriu com um sorriso triste.
Quando me levantei, porque e somente o dever me chamava, disse-lhe que tinha ali uma amiga e quando se tem um amigo sentimo-nos menos sós, mas creio que sou eu que tenho ali um amigo...
Fiquei grande parte da tarde a pensar na ironia do seu nome, na sua tristeza (que quis erradicar...), no tema da amizade que brota de onde menos se espera. E no eco das suas palavras - A vida é mesmo um palco, onde todos encarnamos os nossos papéis sociais e vivemos para a aparência do que é esperado que sejamos. Vestimos tantas vezes essa indumentária que já não sabemos diferenciar a máscara da nossa própria pele. Saberemos mesmo qual é a nossa matriz? E a realidade é real ou serão os nossos sonhos a parte mais real de nós?
Não, não quero isso para mim. Posso ser criticada, posso ser diferente, incompreendida, mas não quero fazer parte do elenco. Não quero correntes, a não ser as correntes do amor. Não quero vendas nos olhos, a não ser a venda da saudade. Não quero meias-alegrias, meias-tristezas, meias-palavras, meios-poemas... nem o meio termo quero. Só quero poder sonhar, sem reservas. Ainda que me magoe, ainda que nada corresponda, são os meus sonhos e fazem parte do mais real em mim...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

When I'm awake, when I'm asleep


Acordo com o teu nome nos
meus lábios — amargo beijo
esse que o tempo dá sem
aviso a quem não esquece.

Maria do Rosário Pedreira

 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

De cabeça para baixo

Final do dia
(...afinal foi assim...):
Bem previsto - eu sabia que, de alguma forma, acabaria o dia de cabeça para baixo, só não previ que fosse como o mito da avestruz...


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Aegrescit medendo...


Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os de meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia de um astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e tremenda!
Tens aqui, pois, o olho primitivo, o da natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência da visão. E desde já, pelo lado do olho, portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do universo que ele não suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreende o meu princípio.
(...)
Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituímos modos diversos de um ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta unidade. Moléculas do mesmo todo, governadas pela mesma lei, rolando para o mesmo fim... Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo corpo, onde circula como um sangue, o mesmo deus. E nenhum frêmito de vida, pormenor, passa numa fibra desse sublime corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes, até às que parecem inertes e invitais. Quando um sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundidades, esse esguio galho de limoeiro, embaixo na horta, sente um secreto arrepio de morte; e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacinto abateu rijamente a mão no rebordo da janela. Eu gritei:
- Acredita! ...O sol tremeu.

Passagens de "A Cidade e as Serras" de Eça de Queiroz

Ó noite


Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do tamanho do universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo, que eu me perca em ser mera treva e me torne noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim, nem sol esperado que ilumine do futuro.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Céu


Era preciso começar daí: céu.
Janela sem encosto, sem moldura, sem vidraça.
Abertura e nada mais, porém muito bem aberta.
Não preciso aguardar a noite amena:
nem levantar a cabeça
para perscrutar o céu.
Tenho céu atrás de mim, sob as mãos
e debaixo das pálpebras.
Estou enredada de céu
e isto me exalta.
Nem as montanhas mais altas
Estão mais próximas do céu
que os vales mais profundos.
Não há mais céu num lugar
do que em outro.
A nuvem está atada ao céu
indiferente como o túmulo.
A toupeira é tão feliz
quanto a coruja que abre as asas.
O objeto que cai no precipício
cai do céu no céu.
Partes poeirentas, líquidas, montanhosas,
passageiras e queimadas do céu, migalhas do céu,
brisas de céu e montes.
O céu é onipresente
até nas trevas sob a pele.
Devoro o céu, rejeito o céu.
Estou com armadilhas na armadilha,
com o habitante instalado,
com o abraço abraçado,
com a pergunta presente na resposta.
A divisão entre céu e terra
não foi pensada de forma adequada
a respeito desta unidade.
Permite até que se sobreviva
no endereço mais exato,
que pode ser achado mais depressa
se me procurarem.
Os meus sinais característicos são
o arrebatamento e o desespero.


In Antologia de 63 poetas eslavos. Tradução e organização Aleksandar Jovanovic. Editora Hucitec, São Paulo, 1996



terça-feira, 30 de agosto de 2011

Diria algo se houvessem palavras...


Um tronco com impressões digitais do coração...


Um velho tronco
Em mim vive
Incólume à turbulência dos dias...
À saudade exasperante das noites
Num abraço
O velho tronco
Cortado
Morto
Resiste
Agarrando-se em longas raízes
A esse desejo fulgente de ser
A esse vil sonho de viver


Dulce Antunes

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Uma flor


Há coisas que me assustam.
Tenho receio de ficar árida por dentro, de não voltar a florir, de ficar inerte como uma peça de decoração.
Tenho medo que a música cesse, ou mesmo que não cesse, que eu perca a capacidade de sonhar.
 Assusta-me que o ponteiro da ansiedade se adiante ao da vida, sem que eu dê por isso.
Assusta-me que os meus olhos se possam acostumar com a banalidade e que não mais me deslumbre com as excepções.
Tenho medo dos frutos dos amores e desamores, medo que um dia não doa mais.
Porque a dor lembra-me que ainda aqui estou. Não que seja masoquista, só não quero a cegueira de ignorar os factos da vida.
Porque para florir é preciso que as lágrimas me reguem o interior.
E mesmo que a flor que brote traga espinhos, prefiro sempre a ferida à anestesia de nunca sentir uma flor nas mãos.

It's oh so quiet...


Há dias em que os silêncios gritam.
Deíxam-me uma vontade enorme de calar e ouvi-los apenas gritar, a gritar tanto até que me doam os tímpanos; gritos que façam com que a dor de ouvi-los seja maior e pior do que a dor de sentir.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Swimming against the tide



(...)
...Things fall apart; the center cannot hold
Mere anarchy is loosed upon the world
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity...
(...)

William Butler Yeats


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Perfect pagan poetry



Pedalling through
The dark currents
I find
An accurate copy
A blue print
Of the pleasure
In me

Swirling black lilies totally ripe
A secret code carved
Swirling black lilies totally ripe
A secret code carved

He offers
A handshake
Crooked
Five fingers
They form a pattern
Yet to be matched

On the surface simplicity
But the darkest pit in me
It's pagan poetry
Pagan poetry

Morse coding signals (signals)
They pulsate (wake me up) and wake me up
(pulsate) from my hibernation

On the surface simplicity
Swirling black lilies totally ripe
But the darkest pit in me
It's pagan poetry
Swirling black lilies totally ripe
Pagan poetry

Swirling black lilies totally ripe
...

I love him, I love him
I love him, I love him
I love him, I love him
I love him, I love him

(She loves him, she loves him)

This time

(She loves him, she loves him)

I'm gonna keep it to myself

(She loves him, she loves him,
(She loves him, she loves him)

This time
I'm gonna keep me all to myself

(She loves him, she loves him)

But he makes me want to hand myself over

(She loves him, she loves him,
She loves him, she loves him)

And he makes me want to hand myself over...



How pathetic can I be?


Pathetic me, 
a merely ghost of who I was,
bugging, begging,
that's not who I am, no...
I just don't know how to rewind
the music that brought me here,
how to break the spell,
 how to undo the metamorphosis.
Actually, it's very clear:
If I don't get your attention
it's because your eyes are closed
and you are blind.
I just need to be me,
not a merely ghost,
that's why you can't see me
and probably never will.
Cos if you'd seen,
all the reasons would vanish in love
and in dust of the stars,
and I could touch you
in every different kind of ways...




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Like a merry go round

When you think it's safe, the music gets louder, the horse you're riding goes up and the carousel goes faster and spinning round and round, over and all over again...

REVOLUTION from Bill Newsinger on Vimeo.

sábado, 20 de agosto de 2011

Hey you


I am in need of music that would flow
Over my fretful, feeling fingertips,
Over my bitter-tainted, trembling lips,
With melody, deep, clear, and liquid-slow.
Oh, for the healing swaying, old and low,
Of some song sung to rest the tired dead,
A song to fall like water on my head,
And over quivering limbs, dream flushed to glow!

There is a magic made by melody:
A spell of rest, and quiet breath, and cool
Heart, that sinks through fading colors deep
To the subaqueous stillness of the sea,
And floats forever in a moon-green pool,
Held in the arms of rhythm and of sleep.

Elizabeth Bishop

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Se enciende...


el amor...ese dulce veneno que nos puede elevar al cielo
o quitarnos el sentido de la vida en un instante...

Um desenho lívido


Poderia fazer-te um desenho:
Aumentar os pormenores
Dar forma, atribuir um símbolo
Traçar uma linha infinita
Com aguarelas colorir os meus intentos
E a carvão marcar a dura linha que nos separa

Poderia fazer-te um desenho,
mas não há modo de o fazer.
Há certas coisas que são imensuráveis
E o seu traçado apresenta-se lívido,
Do mesmo tom de uma folha em branco
E o seu esquisso é impossível de retratar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dear me


"My own brain is to me the most unaccountable of machinery—always buzzing, humming, soaring roaring diving, and then buried in mud. And why? What’s this passion for?"

Virginia Wolf

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

While I may...


Just wish to tell you my desires with words crystallized, sweet and sticky, to lubricate the hinges of your heart...

"Wind and hail and veering rain,
Driven mist that veils the day,
Soul's distress and body's pain,
I would bear you while I may.

I would love you if I might,
For so soon my life will be
Buried in a lasting night,
Even pain denied to me."

Sara Teasdale

sábado, 13 de agosto de 2011

In sort of wakeful swoon, perplexed she lay...

"...When I don't hear from him, it's as if I've died, as if the air is sucked out from my lungs..."


Wings on fire

 Night butterfliy - Schigolev Oleg

As she walks through the room,
every head turns,
here she is again,
coming back for more,
yet every time she hits that same 'ol wall,
before she even leaves the dance hall.
this angel's wings, on fire.
as she searches for her heart's one true desire.
as she grows older,
she begins to dance alone,
waiting and waiting for the thrill to fill that hole.
yet every night she hits that same 'ol wall
before she can even leave the dance hall
this angels wings, on fire
as she searches for her hearts one true desire.
maybe someday she will fill that hole,
but until then her tunnel vision's true.
but until the day she might just find a clue.

Josh Mckinney

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